Um casamento e um pato

Passear pelas ruas históricas de Paraty, sempre proporciona ao visitante alguma surpresa.

Numa manhã de sábado, na janela de uma loja e em posição de namoradeira, uma mulher bonita, negra, alta e magra, bem humorada e cheia de histórias para contar.

Na juventude foi modelo e chegou a fazer diversos editoriais para revistas como: Manchete, Cruzeiro e Playboy. Já teve dois casamentos: o primeiro durou doze anos e o segundo, dez. Atualmente é avó e ainda mantém a vitalidade e a beleza da juventude.
                                                    Foto: Inaldo Marinho Júnior
Nos últimos anos do segundo relacionamento e, já em crise, fez de tudo para salvar o casamento:  foi em mãe de santo, terapia de casal, consultou padre, pastor e seguiu diversos conselhos de amigos, simpatias e tudo mais.

Uma amiga falou de uma simpatia:

-  Crie um pato que isso vai salvar o seu casamento!

E lá estava ela criando patos em sua casa.

Numa noite saindo para passear com as filhas, o marido quando lhe encontrou de roupa nova, maquiada e, numa crise de ciúmes, discutiram e ele a agrediu.

Na hora, com a chave do carro que estava na mão, ela começou a escrever por todas as paredes da casa a música: “Dama, Valete e Rei / Você Perdeu” de Maria Betânia:

Quem nasceu valete
Não se mete a rei
O amor não vale trinca
Com a sorte não se brinca
E eu brinquei
O meu castelo
Eu fiz na lama
Era falsa a minha dama
Vou procurar esquecer
Ela foi o blefe
Que eu paguei pra ver
Noves fora, quase nada
E era de vidro o anel
Meia volta na ciranda
Não há estrelas no céu
Não tem saudade nem mágoa
Meu amor fala outra língua
De você o que naufraga
De você só o que míngua
Sua graça não me anima
O meu pranto não é seu
Já dobrei aquela esquina
Onde você me perdeu
Foi você quem se perdeu de mim
Foi você quem se perdeu
Foi você quem perdeu
Você perdeu.

 
Em seguida, arrumou as malas do marido, matou o pato que criara para salvar o casamento e saiu com as filhas. No dia seguinte quando o marido voltou para casa, lá estavam às malas prontas, as paredes escritas e o pato no fogo. Por mais incrível que possa parecer, ele não conseguia ler o texto escrito nas paredes, apenas via suas malas prontas.

De mãos dadas, como num ritual de despedida, a mulher leva o marido a passear pela casa e lê o que estava escrito nas paredes: QUEM NASC EU VALETE (...) FOI VOCÊ QUE SE PERDEU DE MIM, VOCÊ PERDEU. 

Anne não salvou o casamento, mas resgatou a dignidade de uma vida. Ela confessa que valeu ter criado um pato, pois no dia em que foi servido estava ainda muito mais suculento, e o seu sabor era o de um ressurgir para o mundo e para a vida.

E seus dias permanecem alegres, coloridos e bem humorados.

E viva o pato!

Comentários

Samara disse…
Que interessante... Viver é isso, tirar lições de todas as situações vividas!
Samara disse…
Interessante... Tb gosto de sentir um pouco a energia das pessoas de cada lugar, são histórias únicas!
Adriana disse…
Que bela história! Curti e compartilho... Parabéns, Manoel Timbó!
Anônimo disse…
Timbó, adoro suas histórias. bjs

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